Vimos, por meio desta nota, manifestar nosso repúdio pela reportagem do jornalista Wanderley Preite Sobrinho veiculada pelo site de notícias UOL na última segunda-feira, dia 27/06/2022, intitulada “Dilema – o remédio de R$ 6 milhões e a pergunta: salvar uma vida ou a saúde pública”.
No dia 05/05 demos uma extensa entrevista por telefone, de quase uma hora de duração. Explicamos sobre os tipos de AME e sua gravidade, sobre os tratamentos aprovados pela ANVISA e os atualmente disponíveis no SUS, sobre as diferenças e semelhanças entre os tratamentos, sobre como é o processo de incorporação de tratamentos no SUS. Explicamos sobre o drama que vive uma família ao receber um diagnóstico de AME, e de todas as batalhas que essa família passa a ter que lutar, sendo que o acesso ao tratamento é apenas uma delas. Passamos informações importantes sobre a população de AME no Brasil e quantidade de pacientes tratados. Lamentavelmente, a reportagem teve somente uma “aspas” nossa, deixando de fora tanta coisa importante.
Foi um susto se dar conta de que esta reportagem adotou, já no título, um viés extremamente tendencioso e desfavorável aos pacientes que sofrem com a doença. Foi tendenciosa ao falar do “remédio mais caro do mundo”, mas esquecendo de dizer que, quando incorporados aos SUS, os tratamentos chegam a ter uma queda de até 70% do seu preço inicial, uma vez que o Ministério da Saúde passa a comprar no “atacado”, com um poder de negociação importante. Esquecendo também de dizer que já existem outros dois tratamentos disponíveis no SUS, também de alto custo e de uso contínuo para o resto da vida dos pacientes, e que a comparação de preços de tratamentos na verdade é muito mais complexa do que simplesmente verificar o custo de uma ampola. Enquanto o “remédio mais caro do mundo” é de dose única, os demais tratamentos têm um custo anual a ser carregado por toda a vida do paciente. A abordagem jornalística foi, portanto, rasa e simplista e não esclareceu ao leitor a complexidade que envolve o tema.
Raso e simplista é, também, insinuar que fornecer tratamento a algumas dezenas de crianças com AME vai “quebrar a saúde pública” no país. Em um Brasil continental, com diversas patologias nem sempre raras e com tratamentos de alto custo já incorporados (a exemplo do câncer), com tantos desvios de dinheiro público e com tanta ineficiência na gestão dos recursos públicos da saúde, é desonesto e desarrazoado jogar essa “culpa” na Comunidade AME.
Poderia ter falado que a incorporação do tratamento ao SUS representaria:
Outro ponto importante: como já existe outro tratamento disponível no SUS e as crianças normalmente iniciam esse tratamento logo após o diagnóstico da AME, a incorporação da terapia gênica no SUS não representará um custo adicional, mas um custo substituto ao tratamento atualmente existente.
Algumas pessoas acham que têm o direito e o poder de escolher quem vai viver e quem vai morrer. De escolher quem merece e quem não merece a saúde. Esquecem que a Constituição Federal estabelece, de forma inequívoca, que “a saúde é direito de todos e dever do Estado” (art. 196).
Ao contrário do título da reportagem, não existe nenhum dilema aqui. Todas as vidas importam e não podem ser medidas em termos financeiros. Cada pessoa é única, é o filho de alguém, o amor da vida de alguém. Ninguém escolhe nascer com AME. Qual sociedade queremos construir? Aquela que exclui as pessoas que tiveram a fatalidade de nascer com uma doença rara cujo tratamento é de alto custo? Vamos, enquanto sociedade, jogar essas pessoas de lado e negar-lhes o direito à saúde?
Lamentável que, em 2022, esse ainda seja o mundo na cabeça de algumas pessoas no Brasil. Seguiremos trabalhando para que esses indivíduos continuem sendo minoria, em número cada vez menor.
Esperamos que a Conitec continue se posicionando como órgão técnico, que se baseia em evidências científicas, como já o fizeram outras agências como o NICE, da Inglaterra, referência mundial citada pela matéria. A propósito, a Conitec também compara a tecnologia em análise com as tecnologias disponíveis no SUS, para posicionar-se a respeito de novas incorporações.
Questão relevante, mais complexa e muito mais técnica, é discutir o perfil de segurança e o perfil de pacientes indicados para receber a nova medicação, a fim de minimizar os efeitos adversos.
O que propomos é discutir soluções para o financiamento dos tratamentos de alto custo no contexto do SUS e da saúde suplementar. Debate muito mais complexo e profundo do que a matéria publicada pelo UOL. Demanda construção e participação de toda a sociedade.